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COMO SE TORNAR UM TIRANO: CONHEÇA O DOCUMENTÁRIO DA NETFLIX VISTO POR MAIS DE 300 MILHÕES DE PESSOAS

 


 



Mistura de documentário e guia para leigos, a série da Netflix se propõe a analisar ditadores e seus regimes cruéis.

Visto por mais de 300 milhões de pessoas na Netflix, Como Se Tornar um Tirano, lançado em 2021 mostra como ditadores por todo o mundo subiram ao poder e agiram após tomá-lo, no formato de um guia para leigos, como o nome já diz. Super didática, a série utiliza imagens gravadas mescladas com trechos de animação para ilustrar acontecimentos, e tenta se utilizar de humor para aliviar um pouco o tema e engajar o espectador, especialmente os mais jovens, quase um “TikTok da autocracia“.  Nesta crítica de Como Se Tornar um Tirano, vamos falar sobre a curta produção, tocando tanto nas suas qualidades quanto nos seus defeitos.

O(s) Grande(s) Ditador(es)

A série já começa mostrando como irá trabalhar o tema da autocracia: dando exemplo práticos, acompanhando a jornada e as ações de ditadores famosos da história da humanidade. Alguns são trabalhados a fundo, chegando a ter episódios dedicados, e outros são apenas citados por alto, como Benito Mussolini, Pol Pot e Francisco Franco. 

Um destaque é que ela é narrada, no original em inglês, por Peter Dinklage, ator famoso por interpretar Tyrion Lannister em Game of Thrones. Em português, somos agraciados pelo mesmo dublador do personagem na série da HBO, Márcio Simões, com seu vozeirão.


Como Se Tornar um Tirano utiliza uma linguagem bem lúdica, mesclando sequências animadas com filmagens reais (Foto: Reprodução/Internet)

Somos, então, apresentados ao Manual do Tirano (como explicitado no título da série), carregado de ironia em suas dicas de como tomar o poder e, mais importante, mantê-lo. Seguindo esse tom nos curtos 30 minutos de cada episódio, temos seis capítulos, cada um com um autocrata principal:

Tome o poder, focado em Adolf Hitler, na Alemanha;
Acabe com os rivais, focado em Saddam Hussein, no Iraque;
Reine pelo terror, focado em Idi Amin, em Uganda;
Controle a verdade, focado em Joseph Stalin, na União Soviética;
Crie uma nova sociedade, focado em Muammar al-Gaddafi, na Líbia;
Governe para sempre, focado na dinastia Kim (Kim Il-Sung, Kim Jong-il e Kim Jong-un), na Coréia do Norte.

Embora os líderes ditatoriais abordados tenham passado por (quase) todos os elementos trabalhados em cada parte, é interessante ver como o foco é voltado para a parte da trajetória ao poder mais bem-sucedida de cada um. Todos os autocratas citados acabaram em finais trágicos, assim como seus governos, que ruíram mesmo que depois de sua morte, exceto apenas um dos casos – a dinastia coreana Kim, que está no seu terceiro ditador da mesma linhagem sanguínea, sem sinais de cair, por enquanto. Lembrando que história contemporânea não tem spoiler de Como se tornar um tirano, né, gente?

Tome o poder

O primeiro capítulo, focado no ditador mais conhecido de todos, o austríaco Adolf Hitler, mostra o início da trajetória de um líder em detalhes. 

É demonstrado como o curiosamente inexpressivo e falido pintor e veterano da Primeira Guerra Mundial acabou por criar uma ideia de (ultra) nacionalismo xenofóbico e vigoroso, arranjando aliados competentes e manejando a política alemã do período entre guerras para subir ao poder.


Figurinha carimbada, Hitler não podia ficar de fora. Aqui, vemos a versão cartunizada do ditador em Como se tornar um tirano (Foto: Reprodução/Internet)

As provocações e ironias de Como se tornar um tirano chegam ao seu ápice aqui, quando um dos especialistas sugere que é fácil dizer que nós, com a cabeça de hoje, não daríamos ouvidos a Hitler — afirmando que sim, acabaríamos o seguindo. 

A análise de como um povo pouco satisfeito aceita bodes expiatórios, soluções fáceis e messias políticos é importante e muitíssimo atual. Exemplos contemporâneos pipocam aos baldes.

Acabe com os rivais

Saddam Hussein é outra figura muito conhecida, ditador do Iraque preso e executado há alguns anos (Foto: Reprodução/Internet)

Pulando da Europa para o Oriente Médio, somos apresentados aos métodos de Saddam Hussein, que deteve o poder no Iraque por 24 anos. Como se tornar um tirano usa a natureza impiedosa do ditador de exemplo: ele teria ordenado a execução de seus próprios genros, além de aterrorizar ministros e membros de seu governo esporadicamente para evitar insurreições. Torturas, confissões falsas e manipulação era apenas uma terça-feira qualquer para o autocrata iraquiano.

Reine pelo terror


Idi Amin é uma figura menos conhecida por aqui, mas não ficou de fora de Como se tornar um ditador (Foto: Reprodução/Internet)

O terceiro episódio foca no ditador de Uganda, Idi Amin Baba, que depôs seu presidente, Milton Obote, e capitalizou no sentimento anti-imperialismo britânico, se vendendo como um libertador, mas oprimindo seu povo sistematicamente. 

Além de torturas e violência extremas (aplicadas até mesmo a repórteres estrangeiros), Idi Amin chegou até mesmo a expurgar imigrantes asiáticos de seu país, num caso clássico de encontrar um bode expiatório e malhá-lo em proveito próprio. Ele ultimamente falhou em vencer a Tanzânia numa guerra besta provocada pelo próprio, e viveu no exílio, na Arábia Saudita, até sua morte.

Controle a verdade


Manipulações, inclusive fotográficas, como essa, foram amplamente utilizadas por Stalin (Foto: Reprodução/Internet)

Chegamos a outro afamado ditador em Como se Tornar um Tirano, Josef Stalin, que na verdade era georgiano de nascimento, com o nome de batismo Ioseb Djugashvili. Passando rapidamente pela sua ascensão e culto à personalidade, o foco do episódio fica por conta do controle midiático total exercido pelo ditador: nada podia ser dito contra o partido soviético, único existente e único com poder, e os “fatos” eram veiculados preferencialmente pelo jornal Pravda (que, ironicamente, significa “verdade”, em russo). 

O líder chegou ao ponto de “photoshoppar” fotos suas com aliados, apagando pessoas indesejadas (às vezes, após executá-las) e editando seu próprio rosto, escondendo a enorme cicatriz de varíola que assolava suas bochechas. O partido e o próprio Stalin deveriam ser imaculados.

Crie uma nova sociedade


Gaddafi é a estrela do quinto episódio de Como se tornar um tirano (Foto: Reprodução/Internet)

O penúltimo episódio de Como se Tornar um Tirano é dedicado ao líbio beduíno Muammar al-Gaddafi, que ficou no poder por longos 42 anos, e moldou o país à própria imagem. Em um movimento incrivelmente nacionalista, ele procedeu em incentivar a produção local (chegando a banir produtos estrangeiros) se engajou em projetos monumentais de irrigação do deserto, por exemplo, para alçar a própria imagem.

Apesar de conseguir cultivar uma imagem boa perante o povo por algum tempo, o ditador foi acusado de violações aos direitos humanos e decidiu cessar com as torturas e a opressão, esperando uma resposta positiva, mas acabou sendo escorraçado e eventualmente morto. Em mais um momento irônico, a série comenta que Gaddafi foi “fraco e coração mole”, e por isso perdeu o poder.

Governe para sempre


A família Kim foi a única que conseguiu poder “eterno” passando de pai para filho e neto – pelo menos até agora (Foto: Reprodução/Internet)

A mais interessante exceção é o caso da dinastia Kim. Com três gerações de ditadores, este é o único regime totalitário que sobrevive até hoje, tendo iniciado em 1948, com Kim Il-Sung. O episódio de Como se tornar um tirano foca em como ele e, principalmente, seu filho construíram a imagem de deuses sobre a terra, que tem origens míticas envolvendo o nascimento em montanhas sagradas, por exemplo. 

Histórias insanas como o rapto de diretores e atores de cinema para produzir filmes altamente publicitários do regime são abordadas, e a última lição é apresentada: a aquisição de armas nucleares, que marcaram a cartada final para a permanência da família no poder, através da deterrência nuclear.

Superficialidade e meias-ironias de Como se tornar um tirano

A série, apesar de muito interessante, vem também com seus problemas. É inegável que mais pessoas têm buscado consumir conteúdos que tratem de regimes autoritários e seu surgimento, dado que muito governos vêm dado guinadas antidemocráticas ultimamente — nesse sentido, a série tem seu mérito em explicitar os métodos que futuros tiranos utilizam como uma forma de aviso, para que o público possa se atentar e, quem sabe, reagir a malucos narcisistas com sede de poder.

Há de se elogiar, também, que a série traga especialistas das áreas trabalhadas, incluindo acadêmicos nacionais dos países comentados ou grandes nomes da pesquisa — eu, particularmente, como estudioso da área pós-soviética, posso atestar que chamaram a pessoa certa para falar de Stalin, no caso, Ronald Grigor Suny, referência em estudos do Cáucaso.

A questão é que, pela natureza curta, só é possível trazer informações mais manjadas — não há nenhuma novidade sobre os ditadores e seus regimes –, deixando, inclusive, de levantar discussões acerca do que caracteriza uma ditadura de fato, ou diferenciações entre ideologias políticas. Entendo que não seja o ponto da série, mais voltada para leigos, mas despertar esse interesse no público é sempre salutar.


Ronald Grigor Suny é um dos acadêmicos convidados a falar sobre o tema, especificamente do líder soviético Stalin em Como Se Tornar um Ditador (Foto: Reprodução/Internet)

Além disso, é interessante a utilização da linguagem irônica no formato de “Manual do Tirano“, que capta a atenção e se utiliza de um pouco de humor para guiar um espectador que talvez normalmente não prestaria atenção a discussões políticas enfadonhas. O problema é que a ironia não é uma linguagem totalmente consistente na série, aparecendo na introdução das lições e em comentários pontuais. Pode-se dizer que a narração se aproprie completamente dessa linguagem, mas as imagens claramente mostram os tiranos como figuras detestáveis e reprováveis, principalmente quando se fala de suas ações militares.

É claro, entende-se que tudo tem um limite: não dá para representar Hitler como um grande exemplo, mesmo se tratando de ditadores, sem deixar o seriado com uma cara estranha, no mínimo, mas é algo que causa uma boa dissonância cognitiva na audiência. Apesar de gerar um apelo maior ao grande público, há quem diga que é reprovável utilizar uma linguagem sarcástica em cima de um tema sério como esse, seja em respeito às vítimas de expurgos e demais opressões, seja por achar puramente que é uma piada de mau gosto.

Em resumo, a série é um apanhado de curiosidades apresentadas de forma irreverente e, apesar de utilizar de uma comicidade sombria porém atraente, ainda esbarra na superficialidade da linguagem rápida jovem. A produção, no entanto, terá seu mérito se fizer sequer uma mera centena de espectadores ficar mais curiosa e ir em busca de mais informação histórica, aprendendo mais sobre temas pouco discutidos, como a história de Uganda ou da Líbia. Quanto mais conhecimento, melhor, e mesmo as ajudas mais… estranhas são bem vindas.

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